quinta-feira, 15 de maio de 2014

Manual da sobrevivente - Parte 1: O câncer X Estado civil


Se você também tem ou teve câncer e sente um enorme frio na espinha quando o assunto da mesa é o seu estado civil: Pegue seus óculos de sol, puxe a cadeira e sente-se aqui comigo! Ah... E seja oficialmente bem vinda ao time!  #tamojunto

E se falar sobre esse assunto é um tanto quanto delicado, querido mortal, imagine só estar na nossa pele. * Então lhe peço um bocado de paciência para compreender todas as nossas questões pessoais e bloqueios afetivos...

Para mim, Evelin, só existe uma coisa mais difícil do que a de manter a alma no eixo ao esperar alguém responder (ou me corresponder) depois de descoberto todo “passado negro” (e que particularmente, é maravilhoso! Afinal somos sobreviventes e você dificilmente nos encontrará reclamando de questões mais superficiais ou de um resfriado no meio da semana. Com exceção ao nosso charme, claro!). E essa questão tão difícil quanto manter a alma no eixo chama-se: Fazer parte de um grupo de mulheres que ouviram um sonoro “Entendo a sua fase, mas não aguento mais conviver com isso”.

Aproveito o texto e lhe faço o convite para deixar um tantinho de lado essa historia das mudanças físicas. Sabe isso de não ter um seio natural ou de um corte de cabelo digno dessas modelos de capa de revista? Então... Isso é beeeem pequeno!

Uma vez, resolvi sair com alguns amigos e usei a Bethania, minha peruca morena, bem longa, franjuda e cheia de charme. Achei que o moço era suficientemente bacana e passei meu telefone (o que não tenho o costume de fazer, confesso). Como ele me ligou na mesma noite para contar que havia chego em casa com segurança e que adoraria um “segundo encontro”, resolvi respirar fundo e lhe contar toda – ou enfim, contar parcialmente – minha fase.  Depois de alguns segundos em completo silêncio, eis que chega a tão esperada resposta:

- E isso ai que você tem...  Esse câncer... Ele é contagioso?

(Piripaque do chaves!)

Sim! Estamos em pleno século XXI e ainda encontramos pessoas com um certo preconceito em relação a esse assunto. Isso já aconteceu contigo? Conheço uma turma de meninas que já passaram por esses momentos...

A marca deixada por alguém que resolve ir embora e joga o assunto “câncer” nessa despedida é, definitivamente, muito mais profunda e crônica do que a gente imagina e gostaria. Abro o meu coração e confesso que talvez essa seja a minha maior dificuldade no momento... E enquanto não encontrar alguém tão suficientemente provido na teoria – e na pratica – da palavra COMPANHEIRISMO, não entregarei meu coração mesmo! Já escrevi em outro texto, no lenço cor de rosa, que sofrer por essas coisas é pra mim muito mais doloroso do que qualquer um dos processos que tenha enfrentado com o diagnostico. Fazer o que. Quando se trata desse tipo de relacionamento, sou uma falsa bruta de coração bem sensível...

Então meninos, peguem leve! Peguem leve, namorados, noivos e maridos! A gente ta se recompondo, “catando os caquinhos” do emocional abalado pela mudança de aparência que nos foi tirada de maneira tão inesperada – e que já estávamos tão acostumadas! Esse assunto a gente resolve com MUITO amor e compreensão. Peguem-nos – literalmente – no colo. É só disso que precisamos...

E meninas... Infelizmente não tenho a resposta para todas as questões psicológicas levantadas nesse texto. Adoraria, mas isso também me requer por em pratica essa questão de sair correndo de braços abertos pra vida, exatamente com esse objetivo de ter alguém pra chamar de meu (afinal, sou taurina! Hehehe).

É difícil conhecer alguém que você sinta bem lá no fundo que pode dar certo e ter que coloca-lo a prova do que ELE sente de maneira tão intensa – e por vezes tão adiantada - contando uma parte da sua historia.

Eu entendo.

É difícil pegar o coração que ficou no chão, respirar fundo, subir novamente no salto e aceitar que SIM, você foi largada exatamente em uma fase difícil e quem perdeu foi ELE. Ou ambos, não sei.  Isso é beeeem difícil... E eu também entendo.

A você, solteirona do pedaço, repleta de fé na vida e força nos braços: Que tal uma boa olhadinha no espelho? Armas e pedras abaixo, esperança no assunto e sorriso no rosto! Essas ainda são armas brancas àqueles que realmente tem alma – e olhos – para te enxergar!

E lembrando que quem coloca a medida no peso que isso tem na vida é você, somente você! Ouviu, Dona Evelin???

E vamos em frente...

sábado, 30 de novembro de 2013

DAY 2 – Sol, meu querido sol!

Certa vez, um grande amigo ensinou que existem algumas formas de se “aprender” nessa vida. Muitas vezes, aprendemos com uma “referência”. Essas referências nos chegam através das experiências de outras pessoas e é ai – na teoria - que você costuma aprender que aquele não era, na verdade, o melhor caminho a se seguir. Porém, em outros casos – e na grande maioria dos casos – aprendemos apenas quando passamos pelas mesmas experiências que sabemos não serem lá tão agradáveis...

Escrevi tudo isso para lhes contar que, durante meu segundo dia de caminhada matinal, descobri um grande novo elemento em toda essa nova jornada saudável: A minha calça, a eleita calça favorita dos exames de rotina, ela não é na verdade a calça mais apropriada para fazer ginastica (já que é de veludo e que, associada ao sol de rachar mamonas que fez na última quinta feira, não foi a melhor opção para conseguir aproveitar e contemplar a caminhada no parque).
Outro despreparo que fez toda diferença: A falta do protetor solar!

Aí você me pergunta:

- Mas Evelin, querida, como é que você  me sai de casa sem esse trem que a gente passa na pele TODOS OS DIAS?

E eu te respondo:

- Pois é... A minha consciência da importância diária do protetor solar era limitada ao fato de imaginar que a falta do mesmo, poderia me gerar uma patologia que já tenho..

Vejam só que absurdo!!! E a lógica disso pode parecer bem mais absurda do que já é, mas preciso que acreditem em mim, ela também é uma realidade à diversos outros companheiros e companheiras de jornada oncológica.

Então, se a possibilidade de aprendermos com os erros dos outros ainda existe nesse planeta, aproveitem as minhas dicas: As calças flaneladas, além de fora de moda, não são as melhores opções para atividades físicas em dias de sol (o que parece meio óbvio) e, por falar em sol: PROTETOR SOLAR, turma! Até a famosa teoria sobre raios que não caem no mesmo lugar já foi desmistificada e, novamente de forma bem absurda: Se você também é paciente e já acha um tanto quanto "chatinho"  tratar 1 câncer, imagine só tratar 2! 

Ah, e sem contar que se você, assim como eu, também parece um parente não tão distante da família “Cullen”, passar o resto da semana com os braços ardendo não é lá a melhor opção de sucesso para o projeto “Qualidade de vida”.

Pensem com carinho... 

Obs: Sobre a caminhada, né?
Todo meu despreparo reduziu o tempo de 1h para 30 minutos. E eu, por sinal, não fiquei nada, nada bem... Mas a novidade é que papai aposentou a bermuda cáqui e trocou por uma com listras verticais bem fininhas e em azul e branco. E com cinto azul marinho, claro, pra ficar mais charmoso... Papai é um grande fashionista.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

DAY 1 - Caminhar é preciso...

São 9 da manhã e sofro o primeiro atentado (aos berros entusiasmados) para nosso primeiro dia de caminhada no "tal" parque. Meu pai estava na versão mais irritantemente Paulo Cintura que já pude reconhecer nessa vida e minha primeira ação foi a de cobrir a cabeça e responder a altura:

- Hoje não! Fui dormir às 3 da manhã...

O silêncio voltou a reinar em meu pequeno e não muito bem decorado quarto.

(Alguns minutos depois...)

- O Chuuuu-huuuuu! CORAGEM!!! O Dr. Rafael disse que precisa de uma atividade física. Sai já dessa cama e é a ultima vez que eu te chamo!

À você, caro leitor, faço o convite para fechar os olhos e pensar em um desses grandes vilões atrapalhados do cinema. Pensou? Agora imagine que o pai desse vilão o tirou da cama as 9:15am para sua primeira caminhada matinal em um parque repleto de pistas, pessoas atléticas e dispostas, bicicletas e curvas...

- Tenha dó, Papu! Ta chovendo... E esse frio? Hoje é rodizio do carro (e sim, se é pra ir até o parque que já é na porta de casa, que seja de carro! O Dr. Rafael disse que o certo é começar aos poucos...)!

Pego o celular, digito algumas mensagens de apoio e socorro pelo whatsapp e levanto completamente desnorteada, enquanto caminho sentido ao armário branco - onde guardo as roupas que dificilmente uso. Tenho uma única calça de ginastica, nomeada carinhosamente como a "calça mágica dos exames de rotina" e que está visivelmente repleta de pelos de gato. Visto uma perna e tombo meu corpo frente ao pequeno móvel onde repousa - invejosamente - o computador. 

Toda aquela tristeza durou apenas mais alguns minutos, foi só o tempo de olhar para minha versão caseira de Paulo Cintura e compreender o seu também despreparo para nossa primeira atividade física. Ali estava o meu velho, vestindo um all star de couro preto, meias brancas até a região dos tornozelos, bermuda caqui, camiseta de corrida (provavelmente doada pelo meu tio super maratonista) e um boné vindo diretamente da Disney. A gargalhada foi inevitável!

- Pai! Se você quer se tornar um atleta, precisa de roupas novas...

Chegamos ao parque, descemos do carro e papai me pergunta se prefiro subir pelas escadas ou pela rampa. Respondi que preferia esperar no carro, mas senti que a minha pré (irônica) disposição já começava irrita-lo. Sigo estrategicamente caminhando sentido a - pelo amor de Deus!! - longa e interminável escadaria do parque, enquanto me convenço dessa nova prática em voz alta: 

- Vamos lá, Evelin, a escada está mais perto da saída e o câncer é o menor dos seus problemas...

(...)

Caminhamos um pouco mais de 100 m e sinto que meu coração está tão despreparado quanto minha disposição matinal. Por alguns segundos, sinto a visão ficar levemente turva, mas seguro firme a mão do meu pai e continuo a jornada. 

- Não pode ser tão complicado quanto o câncer, pai... São só pés, pernas e passos! 

Nessa hora, lembro-me dos dias pós-químio e entro automaticamente em estado contemplativo. Caminhar em um parque é completamente diferente de acordar cedo, olhar ao redor e se dar conta de que ainda está em um quarto hospitalar. E os pássaros, vistos por fora do prisma da janela desse quarto também são bem mais reais. E esses pássaros, cantam:

- VIDA! Isso o que você está fazendo agora se chama Viver!

Fim do primeiro dia. Caminhar é preciso...

terça-feira, 26 de novembro de 2013

A ficha caiu, e agora?

Existem dois grandes fatos sobre mim que evito ao máximo comentar: O primeiro, é que moro de frente a um desses grandes e populares parques da cidade de São Paulo e que em 9 anos de “casa”, o frequentei umas 8 vezes, no máximo (a vista é mais bonita de dentro do carro, juro!). O outro – que é quase um segredo – é que sou uma fisioterapeuta que não gosta de atividade física. Sabe aquele amiguinho do colégio que tinha vários problemas cardíacos e que não conseguia participar de nenhuma aula de educação física? Então, esse amiguinho sou eu. Só que sem os problemas cardíacos...

(...)

- Evelin, disse pausadamente o oncologista enquanto repousava a caneta em meu prontuário de evolução médica, preciso que preste muita atenção nisso que vou lhe falar, está bem? O câncer... Ele é o menor dos seus problemas nesse momento!

E assim, voltei para casa com novos tratamentos e pontos de vista, e confesso que passei o resto do dia tentado encaixar essa nova informação de forma um pouco mais didática dentro da minha cabeça pensante.
Nesse mês de dezembro, meu diagnostico e eu completamos 2 anos de um relacionamento repleto de altos e baixos. E assim, dentro dessa comparação meio sem pé nem cabeça, nasceu aqui dentro uma palavra que vai um pouquinho além de força, fé, resiliência e coragem. Ela se chama: Convivência!

Um diabético também requer uma atenção “eterna”, assim como um paciente oncológico. Também encontram-se no “saquinho dos cuidados” os cardíacos e os hipertensos, por exemplo... Mas por que diabos colocamos tantos e tantos olhos e freios quando o assunto é o câncer e a sua manutenção?
De maneira bem simples, vejam só que bacana: essa questão se tornou a razão de um novo blog! E ele me ajudará a descobrir de forma prática e bem humorada essa questão pessoal de convivência com o quase pós-diagnóstico.

Se você, companheiro ou companheira de universo oncológico, já chegou nessa questão e iniciou o seu manual prático de manutenção diária ao diagnóstico: Parabéns pela força! E por favor, me de algum raio de dica. Até agora, só parei com o refrigerante...